Transgênicos e a indecisão de Lula

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Fernando Silva
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Transgênicos e a indecisão de Lula

Mensagem por Fernando Silva »

"O Globo" 22/03/07

Atrasos por ideologia

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

Na entrevista ao “Fantástico” de quase quatro anos atrás (17 de agosto de 2003), o presidente Lula se saiu com esta: “Transgênicos, por exemplo, já fui politicamente muito contrário; hoje, cientificamente, tenho dúvidas.” A polêmica naquele momento girava em torno da legalização da safra de soja transgênica plantada no Rio Grande do Sul, afinal resolvida.

A polêmica, entretanto, permanece, agora em torno da autorização para outras variedades de transgênicos, como as de milho, em debate na CTNbio (a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança). E segue nos mesmos termos colocados por Lula, entre a política e a ciência.

Mas como pode ser política? Transgênicos (ou alimentos geneticamente modificados, na sigla GM) constituem uma questão científica. O ponto central é avaliar a qualidade dos GM e saber se prejudicam ou não o homem e/ou a natureza. Trata-se de biotecnologia.

Mas se não é política, a questão pode ser politizada — e é justamente o que faz o pessoal contrário aos transgênicos, como confirma a confissão de Lula de anos atrás. A oposição aos GM se tornou uma posição de esquerda.

No campo científico, o pessoal do contra perde feio. Não há cientista ou instituição de peso e reconhecimento internacional que se oponha aos transgênicos com argumentos científicos. Todos reconhecem que, como qualquer tecnologia nova, esta também traz riscos.

Mas, como se diz, é como um avião novo que acaba de sair da linha de montagem e vai voar pela primeira vez. Tem risco de cair? Tem. Mas a ciência, a tecnologia e a experiência que se acumulam naquele aparelho sugerem que a maior probabilidade, disparada, é de que decole sem problemas.

Assim com os transgênicos. Passam em todos os testes de laboratório e de campo, e não aconteceu nada de errado nos países que os utilizam há anos. Além disso, reduzem a necessidade de pesticidas e agrotóxicos, são mais produtivos e, pois, mais rentáveis, razão pela qual exercem irresistível atração entre os agricultores.

Mas, diz o pessoal contrário, é preciso respeitar o princípio da precaução e dar um tempo — mais ou menos como deixar o avião no hangar para ver o que acontece.

Na verdade, trata-se de uma posição política contrária ao agronegócio moderno — capitalista e globalizado. Além disso, ocorre que o primeiro GM comercial no mundo foi a famosa soja da Monsanto, multinacional americana, que foi agressiva, truculenta mesmo, na campanha para viabilizar seu produto.

Fez lobby pesado em Washington, cooptou autoridades americanas para “vender” o produto em outros países, entrou em conflito com os produtores de sementes convencionais e de pesticidas e agrotóxicos.

Hoje, porém, há pesquisas de transgênicos por toda parte, inclusive no Brasil, onde a Embrapa estuda, por exemplo, variedades de cana, feijão e outros produtos resistentes à seca.

Os primeiros dados dessas pesquisas são sensacionais: plantas que permanecem perfeitas depois de vários dias sem uma gota de água, de interesse óbvio para o Brasil nordestino.

Mas se Lula se declarava “cientificamente em dúvida” em 2003 (estaria já convencido hoje?), seus companheiros continuam politicamente contra e tentando bloquear pesquisas e comercialização.

Já há prejuízos para o país. Tome-se o caso do milho. Como os EUA estão usando boa parte do milho (transgênico) para produzir etanol, o preço do produto sobe e encarece diretamente os alimentos derivados, assim como as cotações de aves, alimentadas com ração à base de milho.

O Brasil tem boa oportunidade de aumentar sua safra de milho — a variedade transgênica é mais eficiente e lucrativa.Outro prejuízo: o Brasil lidera a tecnologia do álcool de cana, mas precisa avançar.

E há variedades dependendo de autorização da CNTbio.

Em conseqüência dessa contradição inerente ao governo Lula—tem gente a favor e contra os transgênicos —, a política pública para isso acaba sendo a paralisia.

No esforço de conciliar posições, chega-se ao impasse, como a regra que inviabilizava decisões da CNTbio, ora em mudança no Congresso. Parece que, afinal, as mudanças vão privilegiar o aspecto científico e o simples bom senso.

Mas atrasa. Como no caso de outras paralisias por ideologia. Naquele mesmo agosto de 2003, Lula dizia à revista “Veja”: “Como é que nós vamos fazer saneamento básico nas regiões metropolitanas deste país sem atrair investimentos de fora? Não cabe mais aquele discurso ideológico de que saneamento básico é obra do governo federal e responsabilidade do governo estadual e do prefeito. Esse discurso seria maravilhoso se tivéssemos dinheiro para fazer. Não adianta fazer um bom discurso ideológico e o povo continuar pisando em esgoto a céu aberto e bebendo água não-tratada.”

A nova lei de saneamento saiu só agora, e, ainda assim, tem aspectos não esclarecidos, que dificultam tanto investimentos privados quanto públicos.

Trancado