IPEA: BOLSA FAMÍLIA NÃO É “FÁBRICA DE VAGABUNDOS”

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Aranha
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IPEA: BOLSA FAMÍLIA NÃO É “FÁBRICA DE VAGABUNDOS”

Mensagem por Aranha »

O pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), Sergei Soares, disse em entrevista a Paulo Henrique Amorim nesta quinta-feira, dia 02, que não concorda com o argumento de que o Bolsa Família é uma “fábrica de vagabundos” que vicia o beneficiado e o induz a não procurar emprego.

“Esse tipo de programa de transferência de renda não tem qualquer impacto negativo sobre a oferta de trabalho”, disse Soares

Sergei Soares lembrou que a pessoa que ganha o teto do Bolsa Família tem um benefício de R$ 95 a R$ 105, que é muito inferior a um salário mínimo.

“Não faz sentido você decidir que não vai trabalhar para ganhar uma quantia tão pequena quando você podia trabalhar para ganhar um salário mínimo”, disse Soares.

Soares disse que as pessoas inscritas no Bolsa Família não deixam de procurar emprego por causa do benefício. “Ao contrário, em alguns casos, a pessoa passa a trabalhar mais... Então, em alguns casos, não todos, o que a gente tem é que essas famílias aumentam a participação no mercado de trabalho”, disse Soares.

Sergei Soares organizou um estudo do Ipea que mostra que a transferência de renda por meio de programas sociais ajuda a reduzir a desigualdade social no Brasil, no México e no Chile.

Leia a íntegra da entrevista com Sergei Soares:


Paulo Henrique Amorim – Eu vou rememorar aqui para os nossos leitores, internautas, alguns trechos das conclusões que eu li. E diz que, por exemplo, que esses programas de transferência de renda, os PTCRs, que começaram entre os anos 90 do século passado e meados da presente década, essa renda é tão progressiva e sua distribuição tão enviesada a favor dos mais pobres, que eles foram responsáveis por uma porcentagem significativa da redução do Coeficiente de Gini no México e no Brasil. Apenas a renda do trabalho nesses países foi mais importante na dinâmica da desigualdade da renda. Eu lhe pergunto, senhor Soares, em primeiro lugar, em quanto que esses programas de transferência de renda contribuíram para a melhoria no quadro da desigualdade de renda do Brasil, como é que se pode medir isso?

Sergei Soares – Bom, contribuíram muito. Normalmente você mede a desigualdade usando um índice chamado Índice de Gini. Esse índice caiu aproximadamente três pontos nos últimos cinco anos. Isso pode parecer pouca coisa, mas não, é muita coisa. Em se lidando com desigualdade de renda, três pontos de Gini é uma redução expressiva. Você pode pensar um pouco se um ponto é alto ou é baixo comparando, por exemplo, com a taxa de inflação. A gente está vendo uma grande celeuma sobre se a meta deve ser de 4,5% ou 3,5%, a diferença de um ponto percentual. Pois é, um ponto de Gini é uma redução expressiva na desigualdade. Nessa queda de três pontos os programas de transferência de renda foram responsáveis por 21%, ou seja, quase um quarto ocorreu por causa especialmente do Bolsa Família.

Paulo Henrique Amorim – E o seu estudo diz também: “apenas a renda do trabalho foi mais importante na dinâmica da desigualdade”. A renda do trabalho significa aumento de salário?

Sergei Soares – Significa redução na desigualdade dos salários. Pode ser aumento de salários. O mundo ideal é onde todos ganham e os mais pobres ganham mais. Agora, pode ser também redução do salário de algumas pessoas, que é o que aconteceu no Brasil. Como a renda estava mais ou menos estagnada, os 10% mais ricos viram seus salários caírem. E os outros 90% viram seus salários aumentarem. Então, é redução da desigualdade, não é aumento generalizado.

Paulo Henrique Amorim – Essa perda dos 10% mais ricos é de que natureza?

Sergei Soares – Essencialmente ela se deve à estagnação econômica da maior parte do período. Durante o período como um todo a renda não mudou muito. O PIB até subiu, mas a renda das famílias caiu. Em grande medida isso se deve ao fato que hoje a gente está exportando muito mais – isso entra no PIB, mas não entra na renda, certo – e também uma apropriação maior por parte do governo, aumento da carga tributária. Então, o PIB cresceu e a renda, não. Agora, é importante dizer que nos últimos dois anos a renda vem crescendo bastante.

Paulo Henrique Amorim – Nos últimos dois anos que o senhor diz é 2005 e 2006?

Sergei Soares – Exatamente.

Paulo Henrique Amorim – O que aconteceu?

Sergei Soares – Exatamente, e a renda vem crescendo.

Paulo Henrique Amorim – A renda de todos?

Sergei Soares – A renda das famílias. Eu acho que isso é devido ao fato de a gente estar entrando num círculo virtuoso de crescimento. Porque durante o grosso do período a gente estava num ciclo de semi-estagnação: vai, volta, vai, volta. Agora, espero eu, esperamos todos que seja o início de um ciclo de dez anos de crescimento duradouro.

Paulo Henrique Amorim – A conclusão da conclusão, se o senhor me permite é: os programas de renda são um meio altamente custo-efetivo para a redução da desigualdade de renda como demonstram os casos do Brasil e do México. Mas mesmo nesses países, nos quais os programas atingiram uma escala que permitem influenciar a distribuição de renda, seu peso na renda total ainda é bastante reduzido. Isso quer dizer que é possível expandir a cobertura e/ou o valor dos benefícios e obter impactos ainda maiores sobre a desigualdade. Ou seja, o seu estudo sugere um aprofundamento dos programas, é isso?

Sergei Soares – Exatamente.

Paulo Henrique Amorim – Como seria esse aprofundamento dos programas?

Sergei Soares – Teve um grego, não sei se foi Aristóteles, eu não sou muito versado em cultura grega...

Paulo Henrique Amorim – Em filosofia.

Sergei Soares – Que disse que me deu uma alavanca suficientemente longa...

Paulo Henrique Amorim – Não, não, foi o Arquimedes: “Dê-me uma alavanca e eu levantarei o mundo”.

Sergei Soares – exatamente. Em qualquer caso, a gente pode pensar um paralelo com relação à transferência de renda, onde a gente tem o tamanho da alavanca sendo a focalização da transferência e a força sendo o tamanho da renda ou a importância da renda na renda total. O Bolsa Família ele tem uma força relativamente pequena, ele é responsável aproximadamente por um 1% da renda das famílias, então é uma renda pequenininha, mas ele é muito bem focalizado. Então, por um 1% da renda eu consegui 21% da redução do Gini, por causa da excelente focalização. Existem outras transferências, como, por exemplo, Sistema de Seguridade Social que também transfere renda é excelente e tal, mas não é tão focalizado, nem foi feito para ser focalizado, não deve se esperar dele que ele seja algo que não foi feito para ser, mas, ele com quase 24% da renda das famílias teve um impacto sobre a distribuição inferior ao do Bolsa Família com 1%. Isso porque a alavanca dele é muito menor.

Paulo Henrique Amorim – Agora, deixa eu lhe perguntar uma coisa, que é uma questão que está posta no quadro político do país hoje. Eu ontem, conversando com uma pessoa de São Paulo, uma pessoa que a gente poderia identificar, para usar a tecnologia do ex-governador Cláudio Lembo, uma pessoa ligada à elite branca que disse assim de passagem que o Bolsa Família é uma “fábrica de vagabundos”, ou seja, é um programa que faz com que as pessoas se viciem nele e não trabalhem. O senhor diria isso, ou não?

Sergei Soares – Bom, obviamente eu não diria, mas, além de não dizer eu posso citar que a gente tem diversos estudos a respeito do Bolsa Família e ainda mais sobre programas semelhantes, especificamente o Oportunidades, mexicano, e o Chile Solidário, chileno, que mostra que esse tipo de transferência de renda não tem qualquer impacto negativo sobre oferta de trabalho. Eu devo colocar, não tem qualquer impacto. Não é que tem um impacto pequeno, não tem qualquer impacto significativo. E agora, tem uma visão, é razoavelmente intuitivo você pensar nisso. Se você é uma pessoa que ganha o máximo do Bolsa Família, eu acho que hoje em dia você está ganhando algo como entre R$ 95, R$ 105, que é muito inferior a um salário mínimo. Não faz sentido você decidir que não vai trabalhar para ganhar uma quantia tão pequena quando você podia trabalhar para ganhar um salário mínimo. O problema é que os empregos não estão lá. Se os empregos estiverem lá as pessoas vão trabalhar.

Paulo Henrique Amorim – Entendi. O senhor disse então que o Oportunidades, mexicano, e o... qual é mesmo o do Chile?

Sergei Soares – O Chile solidário.

Paulo Henrique Amorim – Solidário. Nos três casos não há impacto sobre a oferta de trabalho, ou seja, as pessoas não deixam de procurar emprego.

Sergei Soares – De modo algum. Ao contrário, em alguns casos as pessoas passam a trabalhar mais. O que dá para entender também se você pensa o seguinte: às vezes a procura por trabalho é custosa. Então, você tem duas opções, vamos dizer que você é uma pessoa muito mal inserida socialmente, você tem duas opções, ficar de bico em bico ou decidir, eu vou dar um tempo, não vou aceitar dois ou três bicos buscando um trabalho melhor. Ou então se você é uma pessoa alto-empregada, em vez de ficar dizendo dia-a-dia aquilo que você ganha no dia, se você ganha Bolsa Família você diz, espera aí, agora eu posso planejar um pouco melhor, posso investir, posso comprar um equipamento que vai me ajudar a ser mais produtivo. Então, em alguns casos, não todos, o que a gente tem é que essas famílias aumentam a participação no mercado de trabalho dos seus beneficiários.

Paulo Henrique Amorim – Agora, o senhor poderia explorar um pouco a idéia de como aprofundar um programa como o Bolsa Família no Brasil? O que o senhor faria?

Sergei Soares - Eu acredito que a gente está indo na direção certa, que é simplesmente aumentar a cobertura.

Paulo Henrique Amorim – Cobertura é o número de pessoas atingidas.

Sergei Soares – Isso. Fala-se muito do erro de inclusão indevida. Alguma pessoa cuja renda familiar é superior ao limite do programa e está recebendo o programa. Com todo o respeito a quem reclama disso, eu acho que isso é uma coisa relativamente pouco importante. O que me preocupa é o erro de exclusão. Se você tem uma visão minimamente humana da sociedade, tem que ser inaceitável que uma criança esteja virtualmente morrendo de fome porque, por alguma razão, o programa não chegou nela. Então, ao meu ver, a gente tem que expandir o programa até, virtualmente, zerar o problema de exclusão. Independentemente de aumentar um pouco o erro de inclusão. Esse é o primeiro passo, é ter cobertura realmente universal. Eu acredito que a gente está muito próximo.

Paulo Henrique Amorim – O senhor acha que quando o governo chegou, o programa chegou a 11 milhões e 100 mil famílias que aproximadamente alcança hoje, isso aí é 100% do universo que ele deve atingir?

Sergei Soares – Eu acredito que não. Mas isso eu não posso dizer com grande certeza. A gente vai saber quando sair a PNAD de 2006, que deve ser daqui uns dois meses. Aí a gente pode ter uma idéia de qual é o erro de exclusão do programa.


FONTE: Conversa Afiada

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Re.: IPEA: BOLSA FAMÍLIA NÃO É “FÁBRICA DE VAGABUNDOS”

Mensagem por Apo »

Aprofundem mais...dêem mais esmolas. Assim o governo não precisa pensar para melhorar ensino básico, nem mercado de trabalho, reforma tributária ( talvez aumentem os impostos para ter de onde tirar fundos ) e muito menos aumentar a produtividade. Com isto também embolsam alguma coisa e aliciam eleitores. Correto. Viva a distribuição de "renda".
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spink
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Re.: IPEA: BOLSA FAMÍLIA NÃO É “FÁBRICA DE VAGABUN

Mensagem por spink »

Tola... :emoticon12: :emoticon12: :emoticon12:
"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma." (Joseph Pulitzer).

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Re.: IPEA: BOLSA FAMÍLIA NÃO É “FÁBRICA DE VAGABUNDOS”

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