08.06.2008
A máfia das carteiras ilegais de habilitação
Exclusivo: surgem novas denúncias contra a máfia das carteiras ilegais de habilitação. Uma operação policial, esta semana, prendeu dezenas de pessoas. Nossos repórteres flagraram um sargento da Polícia Militar vendendo o documento.
Pense no perigo que representa um cego dirigindo. A investigação mostra que um homem com essa deficiência era cliente da quadrilha que vendia habilitações.
- Eu tirei o papel, ele é cego.
- É?
- É. Ele é cego.
- Então não pode? Só para renovar que pode?
- É, renova.
Em oito meses de investigação, foram descobertos outros casos que representam uma ameaça à segurança no trânsito.
Elaine: A carta saiu normal e o cara é deficiente auditivo.
Sandro: Ah, meu Deus. Por que o cara não fala que ele ficou surdo depois que tirou a carta?
Elaine: Nascença.
Elaine Gavazzi, dona de auto-escola, é uma das 20 pessoas que foram presas nesta semana. Ainda há uma lista com dezenas de nomes sendo investigados.
De Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, as habilitações irregulares eram enviadas para cidades do interior e de mais oito estados. Em Mato Grosso do Sul, o sargento Henrique Holland é suspeito de participar da quadrilha.
Em uma gravação, o PM se encontra com o nosso produtor, que se diz interessado em comprar uma carteira de motorista para a mulher dele. A negociação é em frente a um posto da Polícia Militar.
Holland: Ela vai dar um e quinhentos. Espera chegar, dá mais mil. Ela recebe de carro e de moto, sem ir lá.
Produtor: Esse negocio é seguro mesmo?
Holland: É, é a auto-escola que encaminha.
O sargento não está preocupado se a pessoa tem condições ou não de dirigir
Produtor: O problema dela é o seguinte: ela fica nervosa na hora que pega para estacionar com instrutor, aí não consegue.
Holland: Ela sabe andar de moto?
Produtor: Não. De moto, não sabe.
Holland: Ela vai receber de carro e de moto.
Produtor: Ah, de moto vem junto também?
Holland: Vem junto.
Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça também comprometem o sargento. Em uma das conversas, Henrique Holland fala com um funcionário de uma auto-escola de Campo Grande. O assunto: um analfabeto que quer tirar a habilitação.
Holland: Bom dia. É o Holland. Você não tinha falado que aquela situação do rapaz lá...
Bento: É que o médico mandou ele ler alguma coisa e ele falou que não sabia ler, aí complicou tudo. Na verdade, na hora que começou, é que já tinha que marcar com o médico certo, né?
Segundo a Secretaria de Segurança de Mato Grosso do Sul, o sargento será convocado para prestar depoimento. A investigação revelou que Bento de Souza, o funcionário da auto-escola, também falava com freqüência com outro suspeito de fazer parte da quadrilha.
Uma conversa é sobre um cliente diabético e quase cego.
Bento: Você sabia que ele teve deslocamento de rotina... Retina?
Homem: Não.
Bento: Ele teve um deslocamento de retina. Tem um olho dele que está com silicone. O outro é 30%. Um lado dele é cego.
Mesmo assim, ele diz que é possível conseguir a habilitação.
Bento: Se o cara der o laudo... Ele vai arrumar, mas o doutor me chamou lá, falou: é o seguinte, pode até liberar a carteira de moto, então. Ele falou se ele cair, ele fica cego. Se ele bater a cabeça, ele fica cego.
Fantástico: Você vende habilitação?
Bento: Não, de jeito nenhum e trabalho há 27 anos nesse mercado.
Fantástico: Nunca deu um jeitinho?
Bento: Nunca, sempre trabalhando sério. Mesmo porque isso é emitido pelo Detran, o exame é feito pelo Detran.
Fantástico: A voz que está no telefone não é sua?
Bento: Não.
A investigação da máfia das habilitações começou em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. A Polícia Rodoviária Federal percebeu durante as fiscalizações nas estradas que muitos motoristas usavam habilitações emitidas em São Paulo. A maioria da região de Ferraz de Vasconcelos. Os policiais acharam estranho e, com a ajuda do Ministério Público, começaram a monitorar as auto-escolas da Grande São Paulo e descobriram que as carteiras eram enviadas para cá, pelo Correio, sem que a pessoa fizesse exame algum.
“O perfil é um só. É aquele cidadão que não tem condições físicas ou psíquicas de conduzir o seu veículo. Essa condição pode ser temporária ou definitiva. Então ele apela para a compra desse documento. O reflexo disso nas estradas são acidentes, vítimas graves, condutores, principalmente de veículos de carga, mal preparados”, afirma o inspetor da Polícia Rodoviária Federal Valter Aparecido Fávaro.
Com a descoberta do esquema, 19 auto-escolas de São Paulo foram fechadas nesta semana. De acordo com as investigações, o escândalo pode ser bem maior.
O Fantástico teve acesso a documentos oficiais da polícia de São Paulo. Em um relatório de fevereiro deste ano há uma lista de 416 auto-escolas. Em todas, a Prodesp, a companhia de processamento de dados do estado, encontrou irregularidades nos exames. E segundo os documentos, além da Ciretran de Ferraz de Vasconcelos, há mais 37 delegacias regionais do Detran sob suspeita.
Em nota, o Departamento Estadual de Trânsito informou que a constatação da fraude provocou uma ação imediata e que providências já foram solicitadas.
Quem investiga o caso diz que em apenas um ano mais de 200 mil habilitações podem ter sido emitidas de forma fraudulenta em São Paulo.
“O que importava era ganhar dinheiro, enriquecer. Profissionais sem ética nenhuma, sem moral nenhuma, que pensam só em dinheiro, em lesar a sociedade”, declara o promotor Marcelo Oliveira.
FONTE: http://fantastico.globo.com/Jornalismo/ ... 08,00.html
