Brevíssimo estudo sobre a definição do Diabo em Apocalipse

Fórum de discussão de assuntos relevantes para o ateísmo, agnosticismo, humanismo e ceticismo. Defesa da razão e do Método Científico. Combate ao fanatismo e ao fundamentalismo religioso.
Avatar do usuário
Acauan
Moderador
Mensagens: 12929
Registrado em: 16 Out 2005, 18:15
Gênero: Masculino

Brevíssimo estudo sobre a definição do Diabo em Apocalipse

Mensagem por Acauan »

Brevíssimo estudo sobre a definição do Diabo em Apocalipse 12:9, seus desdobramentos e implicações

Postado originalmente em 21/12/2003 17:55:58

por Acauan

Apocalipse 12:9[/b] E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, que se chama o Diabo e Satanás, que engana todo o mundo; foi precipitado na terra, e os seus anjos foram precipitados com ele.


Fundamentalistas cristãos tem o livro do Apocalipse como um sistema de profecias que anunciam o Segundo Advento de Cristo e o fim dos tempos.
Outros estudiosos defendem que o último livro do Novo Testamento é um registro das ansiedades e expectativas dos cristãos primitivos que lutavam para fazer sua jovem religião triunfar na hostil Roma Imperial.

Uma outra característica do livro do Apocalipse é que ele se propõe a criar uma costura de última hora entre os preceitos do cristianismo primitivo e as antigas escrituras judaicas, o que conferiria legitimidade teológica a uma doutrina que já nascia exibindo sinais de sincretismo com outras religiões do mundo antigo.

Quando Apocalipse 12: 9 diz que o Diabo Satanás é a Serpente, presumivelmente aquela do Éden, entra em rota de colisão com o Gênesis, onde esta hipótese não é sequer aventada e nem pode ser lida por nenhuma interpretação simbólica.
Gênesis 3:1 Ora, a serpente era o mais astuto de todos os animais do campo, que o Senhor Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?

Gênesis 3:14 Então o Senhor Deus disse à serpente: Porquanto fizeste isso, maldita serás tu dentre todos os animais domésticos, e dentre todos os animais do campo; sobre o teu ventre andarás, e pó comerás todos os dias da tua vida.


Pela interpretação literal do Gênesis não há como conciliar a afirmação de que a serpente era um dos animais do campo com a conclusão do Apocalipse de que ela seria uma forma assumida pelo Diabo. Também fica difícil explicar porque um animal do campo era capaz de falar, mas esta é outra história.

O grande problema que o livro das Revelações precisava resolver era que a figura do Diabo era central na religião cristã, mas não existia na antiga religião judaica, que centrada a partir de certo momento no monoteísmo absoluto do “o Senhor é UM”, não podia admitir a existência de um opositor de Deus.

Em nenhuma passagem do Velho Testamento o Diabo é sequer citado, Satanás é mostrado no livro de Jó mais como um oficial de dia a serviço de Deus do que como um seu inimigo e as poucas referências a demônios no VT, sempre no plural e genéricas, tratam de divindades pagãs dos povos gentios.

Esta interpretação que os antigos judeus davam aos deuses gentios é conseqüência da evolução do judaísmo, originalmente uma monolatria, ou seja, a adoração de um único deus convivendo com a crença na existência de outros, que se torna em monoteísmo pleno, a crença de que existe um único Deus e de que nada pode existir fora dele.

Assim, os demônios do Velho Testamento seriam apenas deuses marginais, muito diferentes da Legião de “espíritos imundos” que Jesus expulsa em Marcos 5.

Para que o cristianismo consolidasse sua doutrina baseada em dicotomias, Deus – Demônio; Céu – Inferno; Salvação – Perdição, a figura de uma entidade que representasse o Mal absoluto era indispensável. Já que tal entidade não existia no Velho Testamento, fazia-se urgente que se a criasse.

Consequentemente, uma passagem de Isaías que faz um chamado poético à uma certa estrela da manhã passou a ser interpretada como referência metafórica à queda de Lúcifer, o que permitiu uma conveniente amarração de significados com o versículo de Apocalipse que fala de estrelas caídas, que seriam então a terça parte dos anjos do céu que teriam seguido o Portador da Luz em sua rebelião.

Isaías 14:12 Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filha da alva! como foste lançado por terra tu que prostravas as nações!


Apocalipse 12:4 a sua cauda levava após si a terça parte das estrelas do céu, e lançou-as sobre a terra; e o dragão parou diante da mulher que estava para dar à luz, para que, dando ela à luz, lhe devorasse o filho.


O que é óbvio a qualquer leitor destes versículos, seja ele especialista ou não no assunto, é que o tema da rebelião e queda de Lúcifer é central na doutrina cristã, logo chama a atenção o fato de as referências a estes eventos terem que ser tiradas a fórceps de interpretações metafóricas discutíveis, enquanto eventos sem qualquer importância teológica são tratados nos mínimos detalhes ao longo da Bíblia.

Pode-se concluir que a associação entre a Serpente e o Satanás do Antigo Testamento com o Diabo do Novo Testamento são forçadas, um esforço planejado para conferir à uma crença cristã, muito possivelmente apócrifa e sincrética, a respeitabilidade que as Escrituras Judaicas possuíam no Século I.

Igualmente forçada é a tentativa de dar respaldo bíblico ao mito da rebelião de Lúcifer e de sua queda junto de seus anjos rebeldes.
Este evento é grandiosamente descrito no poema épico Paradise Lost, de John Milton, mas na Bíblia, o nome de Lúcifer não é citado em uma única passagem sequer.

Questões como estas demonstram a fragilidade do fundamentalismo bíblico, mais dependente de conceitos referendados pela tradição e não pelas Escrituras do que seus defensores aceitam admitir.

Nós, Índios.

Acauan Guajajara
ACAUAN DOS TUPIS, o gavião que caminha
Lutar com bravura, morrer com honra.

Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!

Trancado