Sobre a Religiosidade

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Acauan
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Sobre a Religiosidade

Mensagem por Acauan »

Sobre a Religiosidade
Postado originalmente em 11/2/2003 19:07:12

As pessoas identificam-se com uma determinada religião por herança cultural ou por conversão.

No caso da herança cultural, a prática religiosa é aprendida junto com um conjunto de crenças, hábitos e valores que são assimilados desde a infância sem maiores questionamentos e aceitos pelo adulto, no mais das vezes, sem grandes resistências, mas também sem excessiva convicção.

O que torna a assimilação da religiosidade um processo na maioria dos casos perene é o fato de que raramente questionamos heranças culturais. No nosso dia a dia não costumamos levantar questões do tipo “por que usamos calças e não sarongues?”, “por que servimos a sopa antes e não depois do prato principal?” ou “por que as mulheres gostam do filme "As Pontes de Madison´?”

Assim, a hipótese de renunciar às suas crenças é tão estranha àquele que as adquiriu por herança cultural quanto seria passar a utilizar-se, junto aos seus conterrâneos, de outro idioma que não o seu nativo. Embora a decisão seja individual, fortes interações com o ambiente social desmotivam eventuais tentativas de mudança.

O mais comum é deixar como está, e a religiosidade é preservada mais por inércia do que por fé verdadeira. Uma ilustração desta tese é o grande número de brasileiros que se declaram “Católicos não praticantes”.

O outro modo pelo qual a identidade religiosa se desenvolve é pela conversão, entendendo-se por conversão a substituição de uma crença por outra ou a mudança de uma opção não-religiosa para uma opção religiosa.

Em alguns casos a conversão não implica em mudança de denominação religiosa formal e sim na adoção de novas crenças dentro da denominação já professada.

Um exemplo interessante e atual são os “Católicos não praticantes” que se converteram à “Renovação Carismática Católica”. Podemos caracterizar o fato como conversão já que o “Carismático Renovado” assume todo um novo conjunto de crenças, hábitos e valores religiosos que não possuía antes, mesmo preservando a identificação genérica de “Católico”.

Quase sempre a conversão representa uma ruptura da inércia estabelecida pela herança cultural. Não apenas os vínculos religiosos são rompidos, mas também as interfaces sociais envolvidas, que serão tão mais atingidas quanto mais forte for a guinada representada pela conversão.

Assim, no Ocidente, um católico que se converte à uma denominação evangélica rompe menos vínculos do que um cristão que se torna um muçulmano ou um Hare Krishna.

Tal ruptura cria lacunas não apenas nos valores culturais assimilados, mas também nos relacionamentos sociais, lacunas que tendem a ser preenchidas com os novos valores culturais e relacionamentos sociais providos pela nova crença.

Assim, quanto mais drástica a conversão mais drástica a ruptura. E quanto mais drástica a ruptura maior o apego à nova religião e às compensações por ela oferecidas, o que explica o porque ser praticamente uma regra o fato dos convertidos serem fiéis mais dedicados de suas novas crenças do que aqueles que as receberam de berço.


Não importa qual a sua origem - tradição ou conversão, a religiosidade está intrinsecamente ligada à emoção.

É comum a situação em que um fiel tenta explicar seu apego à religião em termos racionais e gradativamente vai incluindo elementos emocionais à sua explicação, até um ponto em que estes passam a ser preponderantes no argumento.

Ao que parece as pessoas não são religiosas porque a religião traz respostas às dúvidas e sim porque ela trás alívio e satisfação emocional para aqueles a quem a dúvida é um fardo penoso.

Isto se reflete particularmente no fato de que o ponto focal da religião não é a existência de Deus. A probabilidade da existência ou não de Deus muito pouco representa para a religiosidade – esta é uma questão filosófica ou até mesmo estatística.

O que sustenta a religiosidade é a possibilidade do Amor de Deus existir. A religiosidade não se sustenta ante à hipótese de um Deus existente mas alheio aos Homens.
O Amor dos Homens à Deus e a recíproca deste é o fundamento das grandes religiões monoteístas – toda a religiosidade surge da premissa de que uma determinada emoção humana é uma manifestação imperfeita de um pré-requisito da divindade.

Se uma determinada emoção de Deus é a origem de toda a religiosidade, esta só encontra a sua plenitude na emoção do crente – e não na sua razão – o que torna estéreis as discussões sobre a racionalidade da fé ou sobre a lógica científica da existência de Deus. Mesmo se a Ciência descobrir que um ser onipotente e criador existe, nenhum dos instrumentos ou postulados científicos poderá aferir se este ser onipotente ama os Homens ou se sequer se importa pessoalmente com eles.

A premissa de ser a emoção do crente o sustentáculo da religiosidade – que assim pode ser definida como “Sentimento Religioso”, explica a dinâmica dos cerimoniais das grandes religiões – a melancolia do serviço de sinagoga, a introspecção da oração muçulmana e a solenidade da missa Católica tradicional visam gerar o clima emocional adequado para que a fé se manifeste em sua plenitude.

Instituições menos sutis valem-se deste recurso de modo exacerbado e ostensivo, assim os gritos, gesticulações e cantorias desvairadas dos cultos pentecostais e das “Missas” carismáticas nada mais são do que uma exploração grosseira da ligação entre religiosidade e emoção, ficando claro que estas instituições valem-se da superdosagem do fator emocional para acelerar e maximizar a dinâmica da religiosidade em seus fiéis.

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Re: Sobre a Religiosidade

Mensagem por Apo »

Ao que parece as pessoas não são religiosas porque a religião traz respostas às dúvidas e sim porque ela trás alívio e satisfação emocional para aqueles a quem a dúvida é um fardo penoso.

Isto se reflete particularmente no fato de que o ponto focal da religião não é a existência de Deus. A probabilidade da existência ou não de Deus muito pouco representa para a religiosidade – esta é uma questão filosófica ou até mesmo estatística.

O que sustenta a religiosidade é a possibilidade do Amor de Deus existir. A religiosidade não se sustenta ante à hipótese de um Deus existente mas alheio aos Homens.
O Amor dos Homens à Deus e a recíproca deste é o fundamento das grandes religiões monoteístas – toda a religiosidade surge da premissa de que uma determinada emoção humana é uma manifestação imperfeita de um pré-requisito da divindade.


Perfeito isto aqui.

Quando se percebe que pode andar sem um amor advindo de Deus ( sobre todos os outros amores - assim como todos os demais sentimentos humanos com os quais lidamos mal, e que embasam os principais mandamentos ), passa-se a perder a religiosidade que remete ao modelo de perfeição. Tal modelo é a projeção do que não conseguimos ser. Esta sensação de falha é minimizada através de figuras como o livre-arbítrio, o juízo postergado... e a manutenção do relativo controle da situação pelo cumprimento de alguns sacramentos e rituais de penitência.

O desligamento é um processo mais ou menos conflituoso. Mas amadurece percepções que enriquecem a visão da existência como algo a ser e não como algo que é.

O proselitismo e a retórica circular do crente se fecham em si e se rebelam contra os que não maia crêem, através da manutenção de uma verdade alimentada apenas pelo que chamam de fé, quando nada mais resta de lógica.
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Re: Sobre a Religiosidade

Mensagem por Apo »

Apenas como curiosidade: nunca conheci quem tenha passado por um desligamento de religiosidade e depois voltado a ela, que não por algum trauma ou incapacidade de suportar o não entendimento de um fato novo. É sempre uma escolha excludente da lógica.

Geralmente quem diz ter aderido a uma crença já existente no mundo, o fez porque não encontrou explicação melhor e precisava elaborar de alguma forma o acontecido, o "fenômeno", a "experiência". Dificilmente também o indivíduo cria uma nova crença sem alguma referência pré-existente. Os que se atrevem a tal coisa temem passar por loucos. Então, acomodam-se num grupo receptivo e acolhedor.
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Acauan
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Re: Sobre a Religiosidade

Mensagem por Acauan »

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marta
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Re: Sobre a Religiosidade

Mensagem por marta »

Muito bom esse texto :emoticon45: Como todos os demais, diga-se
Lendo esse texto, eu fiquei me analisando. Eu fui criada em uma família muito, mas muito, muito mesmo chatólica. Fiz o primário e o ginásio em colégio de freiras. Meu pai não perdia uma missa aos domingos, por nada. Meus pais trabalharam mais de 10 anos no encontro de casais. Fiz TLC.
Desde pequena, eu achava tudo aquilo muito chato e não via sentido nenhum em fazer aquilo. Nunca senti emoção alguma dentro de uma igreja e nunca achei que padres e freiras eram diferentes de nós. Nem mais, nem menos.
Quando íamos à aparecida, eu me distraía muito mais com o que havia ao meu redor, do que propriamente com os salamaleques. Achava tudo aquilo muito ridículo: fila pra beijar o pé da santa; visita à sala dos milagres; igreja velha, igreja nova; gente que entrava de joelhos; aquela mulher com a voz fininha (já notaram que em toda cantoria de missa ou procissão, tem sempre aquela com a voz fininha, que entra no tímpano por semanas?); mulher com véu; aquele senta/levanta da missa; a hora da benção das CNH, dos terços, das canecas, das chaves do carro e todo mundo levantando os objetos pra benzer, era tudo muito punk.
Eu nunca sabia o que, exatamente, estava fazendo ali, com tanta coisa melhor para fazer.
Nunca procurei outra religião porque nunca senti falta dela na minha vida.
Algumas vezes fui a um centro espírita kardecista para acompanhar uma amiga. Sempre dormi durante a palestra. Nossa, aquilo me dava um sono incontrolável. Um papo aranha que não tinha fim. Ela dizia que era porque eu estava acompanhada de maus espíritos. Depois da palestra, aquela fila para o tal do passe. Eu nunca senti porra nenhuma com aquele tal de passe. Um dia me enchi o saco e não fui mais.
Eu não sei bem como me descobri atéia. Acho que sou atéia desde que nasci.
:emoticon105: :emoticon105: :emoticon105:
marta
Se deus fosse bom, amá-lo não seria mandamento.

Trancado