Religião e Utopia

[Acauan]

Religião e Utopia
Postado originalmente em 15/4/2003 15:10:55

Por Acauan

Desde que sir Thomas More chamou de Utopia o local da fictícia e perfeita sociedade por ele imaginada, que o termo é utilizado para dar nome aos modelos sociais desenvolvidos por ideologias diversas.

O grande experimento deste tipo, o socialismo marxista, que prometia construir um paraíso comunal, guiado pela luz da História e pela igualdade de um mundo sem classes, deu no que deu.

Neste, como em outros casos, os fracassos são explicados não pelas inconsistências ou ambições exageradas do modelo, mas sim pela desculpa que o modelo – embora perfeito – não fora corretamente implementado.

Esta resistência em admitir que o fracasso da experiência prática possa advir das inconsistências do modelo idealizado é comum na religião, ou pelo menos nas grandes religiões.

Sempre ouvimos cristãos no Ocidente reclamando da falta de “virtudes cristãs” na sociedade, como se a sociedade em que vivem não fosse constituída, por absoluta maioria, justamente de cristãos. Não duvido que no Islã, a julgar pelos relatos, ocorra situação correspondente.

Não vivemos apenas num Ocidente de maioria cristã. Vivemos num Ocidente em que os cristãos são maioria há mais de mil e quinhentos anos, sendo que as diversas Igrejas e instituições religiosas exerceram papel preponderante na formatação das sociedades atuais. Isto vale também para o Islã.

No entanto, toda vez que as mazelas destas sociedades são expostas, ouvem-se religiosos se referirem a elas como se ainda estivéssemos no século I, com os leões esperando ansiosos que o próximo seguidor do Nazareno fosse servido.

Quando levantamos esta questão – do fracasso dos modelos religiosos em erigir sociedades verdadeiramente fraternas, para um cristão ou para um muçulmano, com freqüência recebemos a resposta: É que as pessoas NÃO praticam a verdadeira religião. SE o Cristianismo (ou Islamismo) fosse praticado como Jesus (ou Mohamed) ensinou, tudo seria diferente.

Ou seja, chegamos à exata mesma justificativa dos marxistas: SE o verdadeiro socialismo, como ensinado por Karl Marx, tivesse sido implementado, tudo seria diferente.

O problema é que após mais de quinze séculos, ainda tem gente que prefere esperar pelo dia em que a “verdadeira religião finalmente triunfará” do que aceitar que após tanto tempo, esta mais do que provado que a religião (ou qualquer outra ideologia) é incapaz de formatar o indivíduo, quanto mais a sociedade. Ou seja, as pessoas não são melhores (ou piores) por serem religiosas e as sociedades não se tornam melhores por serem de maioria religiosa.

Os fundamentalistas cristãos poderão refugiar-se em João 18: 36 e dizer que o “Reino de Jesus não é deste mundo”. Só que nem João e nem todos os autores de textos bíblicos impedem os fundamentalistas de meterem o bedelho em tudo que “é deste mundo”, visando submete-lo aos seus próprios preceitos.

No Islã nem esta desculpa é aplicável, uma vez que o conceito de DIN (modo de vida islâmico) se aplica a todos os aspectos da vida pessoal e social, incluindo a política e a estrutura do Estado.
Com DIN ou sem DIN, o Islã é hoje um fiasco social, e louvar as glórias do passado, como costumam fazer os muçulmanos, em nada muda isto, mesmo porque tais louvores em geral são bastante exagerados, resultantes de comparações do Império Árabe em seu apogeu com a Europa da época, que convenhamos, não era lá essas coisas.

Afirmar que as grandes religiões em nada contribuíram para a melhoria das sociedades em que se instalaram seria preconceituoso e inverídico.

Entretanto é certo que os resultados obtidos são muito inferiores aos prometidos pelos seus defensores, sendo fato também que o Ocidente somente produziu as primeiras sociedades que combinaram prosperidade e democracia após estabelecerem a completa separação entre Igreja e Estado.

Assim, não considero incorreto alinhar as grandes religiões a outras Utopias, que prometeram mais do que podiam cumprir.

[NadaSei]

A existência poderia teoricamente ser perfeita sendo que as mazelas do nosso mundo-escola mostrariam como é um mundo de pessoas ignorantes, mas também nos ensinariam, ou obrigariam a aprender.
Aprendermos com os erros e vamos nos aperfeiçoando, somos ignorantes mas vamos aos poucos eliminando essa ignorancia.

Em descrições como a espírita que falam sobre mundos de diversos níveis de evolução, essa parece ser a visão proposta.

Não seria então uma questão de esperar um mundo pronto e perfeito hoje e aqui onde estamos, nem de esperar que uma instituição assim transforme o mundo, mas sim de um sistema todo que leva novos seres da ignorancia a perfeição, um sistema que em si poderia ser perfeito e disposto de ferramentas que levem o individuo a perfeição, mas falam do individuo e não do mundo ou da sociedade atual como um todo, algo que só aconteceria após todos os indivíduos daqui, pelo seu próprio caminho, atingirem esse grau de evolução.

A religião em si não serve para melhorar o mundo, muito menos instituições religiosas (igrejas) comandadas por homens ignorantes, isso é fato, a religião não deve ser encarada de forma diferente com a que encaramos a filosofia ou as ciências, como ferramentas que podem ser usadas pelo homem com um fim especifico, o de auxiliar o homem a melhorar a si próprio. No caso, a melhor comparação é mesmo com a filosofia, já que a ciência tem um poder transformador diferente na criação de ferramentas que mudam o mundo em si.

Da mesma forma que um homem pode usar da filosofia para cultivar o ceticismo, estudando e treinando a razão, pode usar a religião para cultivar a atenção, o controle mental, estudando e treinando a mente nessa direção.
Caso o homem o faça, isso será benéfico para ele, mas nenhuma das duas coisas pode ser imposta a alguém, nem existe instituição que possa pela força ou pelo mero desejo e incentivo, fazem com que homens estudem e realmente entendam o que lêem e se tornem céticos racionais, ou pessoas atentas com maior controle da própria mente. Você pode incentivar, mas vai depender do individuo fazê-lo ou não.

Religião como sistema ético e político é um fracasso e está mais próximo de levar o homem a uma distopia do que ao oposto, mas não vejo isso como sendo a proposta de pessoas como Cristo, Buda e outros religiosos do gênero, isso é típico de distorções de pessoas ignorantes que gostam mesmo é de meter o bedelho na vida dos outros. O que Cristos e Budas fazem, não é prometer o que não podem cumprir, mas sim apontar caminhos que podem ajudar o individuo em sua evolução pessoal.