Apologia de um Deus ausente

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Jack Torrance
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Apologia de um Deus ausente

Mensagem por Jack Torrance »

Artigo publicado na Folha de S. Paulo de ontem:

Apologia de um Deus ausente

Para pesquisadora inglesa, ideias atuais sobre um ser onipotente fazem-no parecer uma divindade da Antiguidade e contribuem para o discurso ateísta

JOHN CORNWELL

W.B. Yeats escreveu que todas as nossas ideias sobre Deus são "lixo e purpurina", como um vestido de casamento de mau gosto que esconde a verdade que há por baixo. Karen Armstrong, uma das melhores escritoras vivas sobre religião, concorda.

Mas, em seu último livro, "The Case for God" [Em Defesa de Deus, ed. Bodley Head, 376 págs., 20, R$ 62], afirma que houve um tempo em que as pessoas entendiam melhor Deus.

"O Deus moderno parece o Alto Deus da Antiguidade remota, uma teologia que foi unanimemente descartada ou radicalmente reinterpretada por ser considerada inapta", ela escreve. Em outras palavras, nossa ideia de Deus, sejamos ateus ou crentes, regrediu ao infantil.

Os maiores ofensores são aqueles que tratam Deus como um super-homem intervencionista, que resolve os problemas. O catálogo de Armstrong de culpados ineptos inclui políticos que apelam a Deus para justificar suas políticas, terroristas que o invocam para cometer atrocidades e cientistas que encaixam Deus em uma teoria física, mesmo que só para desbancá-lo.

A ciência, afirma a autora, teve uma influência profundamente equívoca em crentes e descrentes. Quando [o biólogo] Richard Dawkins ataca Deus, seu alvo é um absurdo superprojetista, necessariamente mais complexo que qualquer das complexidades da natureza. Além disso, há cientistas crentes que veem Deus como uma espécie de técnico de sintonia fina.

Na verdade, as noções modernas de Deus, diz Armstrong, são principalmente enganos de teólogos que, a partir do século 17, tentaram explorar a ciência como um suporte da fé. Essa busca racional por Deus, diz ela, na verdade incentivou o ateísmo.

A autora também indica que a teologia baseada na ciência é notoriamente inconfiável. Quando um teólogo conjura Deus para preencher uma lacuna em nosso conhecimento, uma nova teoria pode ejetá-lo.

Deus insondável

E a ideia de Deus como uma "coisa" ou um "ser", ou um objeto no mundo que disputa a atenção com outros objetos, minou um sentido mais profundo e misterioso de Deus que se desenvolveu em todas as fés ao longo dos séculos.

Armstrong tenta isolar o que ela considera a ideia perdida crucial de Deus como o insondável e indizível. Qualquer coisa aquém de admitir a natureza inefável de Deus, insiste, leva à idolatria -adorar um deus de nossa própria criação. Por definição, não há uma maneira fácil de escrever sobre o inarrável.

Uma de suas tentativas, no centro do livro, envolve os ensinamentos do filósofo cristão Dionísio Areopagita [teólogo do século 6º, assumiu como pseudônimo um nome bíblico].

"Primeiro temos de afirmar que Deus é", ela escreve. "Deus é uma rocha, Deus é uno, Deus é bom, Deus existe. Mas quando escutamos cuidadosamente a nós mesmos, caímos em silêncio, abatidos pelo peso do absurdo que há nessa conversa de Deus."

Na fase seguinte, negamos esses atributos. "Mas o "caminho da negação" é apenas tão impreciso quanto o "caminho da afirmação". Como não sabemos o que Deus é, não podemos saber o que Deus não é, e portanto devemos negar as negações...", ela diz.

A fase final, se você continuar a bordo, é um estado que os místicos chamam de "noite escura da alma", ou a nuvem do desconhecimento. É duro escrever sobre Deus, afirma. Assim como ler sobre Ele.

Amadurecimento

Mas apenas pensar em Deus não adianta; Armstrong insiste em que sentir Deus depende de oração, ritual, escritura e silêncio; é um processo, mais que uma conclusão lógica. E nenhuma fé individual tem o monopólio da iluminação.

Se as religiões conseguissem retornar à verdadeira iluminação, seríamos capazes, ela escreve, citando John Keats [1795-1821], de lidar com "incertezas, mistérios, dúvidas, sem qualquer busca irritante por fato e razão".

Quais são as perspectivas do apelo de Armstrong por uma compreensão mais iluminada? Alguns carolas começam a se voltar para uma abordagem mais criativa, menos científica e dogmática da fé.

Ela acredita que um entendimento mais maduro de Deus diminuiria o antagonismo entre ciência e religião, reduziria a violência inspirada na religião e provocaria mais compaixão.

Infelizmente, a história mostra que a maioria das tentativas de combater elementos prejudiciais dentro da religião tende a provocar reações dos extremos. Armstrong está consciente disso; mas este livro, escrito com paixão, prodigiosamente pesquisado, é uma súplica poderosa para se tentar.

JOHN CORNWELL é autor de "Darwin's Angel" (O Anjo de Darwin, ed. Profile). Este texto foi publicado no "Financial Times". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
“No BOPE tem guerreiros que matam guerrilheiros, a faca entre os dentes esfolam eles inteiros, matam, esfolam, sempre com o seu fuzil, no BOPE tem guerreiros que acreditam no Brasil.”

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Re: Apologia de um Deus ausente

Mensagem por Apo »

Muito interessante.
Dou-me conta, com esta análise, do por quê de minha mudança de atitude crítica frente ao deus que parece ter sido recriado pelos evangélicos em geral.
Quando evangélicos não berravam e tentavam enriquecer às custas de demônios nos possuídos em palanque marqueteiro, não enchiam a TV de shows super-produzidos e o sotaque dos pastores não era carioca no Brasil inteiro, o deus judaico cristão apenas não me interessava muito. O que me incomodava um pouco era a cultura e os rituais e valores católicos ( missa, rezar, comunhão, procissão, confissão, ser casto, discreto...).

Depois que me afastei disto, houve uma fase em que eu nem sequer tomava conhecimento da existência de ataques evangelizadores. Fui a alguns lugares como centros de umbanda, pais de santo, seicho-no-ie, centros espíritas e li a Sentinela e Despertái, mas não me afetavam em nada. Eram coisa de quem acreditava e pronto, como ser sócio de um clube e torcer por ele.
Neste contexto, deus eram vários, de várias religiões e faziam parte da vida, como Papai Noel fazia parte da minha ( e ainda faz ). Deus é mais uma postura contemplativa, um questionar que não tinha como meta salvação alguma e muito menos iluminação. Ele na dele e eu na minha. Caso eu achasse que tinha que apelar para ele, eu tinha consciência de que era um apelo não-intervencionista, mas uma conversa com algo que poderia me trazer um estado de mudança na forma de ver a vida ou aquele conflito. Algo que não estava fora de mim, mas como um socorro à mim mesma, para abrir meus horizontes. Este deus salvador nunca me respondeu porque logo percebi que ele não estaria em lugar algum a não ser dentro de mim e no decorrer dos acontecimentos.

Como diz a máxima popular: o tempo resolve tudo. O tempo não é deus e sim o que se sucede, com a nossa ajuda ou não, porque onde atuamos, outros atuam e não se sabe o que conduz os acontecimentos.
Mas de anos para cá, percebi que tudo se inundou de evangelização, de horror e culpa, como se houvesse uma caça às bruxas! Para mim estas coisas são mercadológicas, modernamente mais financeiras do que relativas à Fé. Agora tem mais conconorrência e a fé é comprável na forma de commodities, diferentemente das cadeiras cativas no Céu. É um mercado muito mais democrático, cada um dá o que quiser e o foco não é na salvação póstuma, mas na prosperidade terrena , no livrar o filho das drogas e na volta do marido que tinha arranjado uma amante.
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Trancado