Entrevista com Mahmoud Ahmadinejad

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Entrevista com Mahmoud Ahmadinejad

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Der Spiegel


Stefan Aust, Gerhard Spörl e Dieter Bednarz
em Teerã

Em uma entrevista a "Der Spiegel", o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad discute o Holocausto, o futuro do Estado de Israel, os erros cometidos pelos Estados Unidos no Iraque e o desentendimento entre Teerã e o Ocidente com relação à questão da energia nuclear.

Der Spiegel: Senhor presidente, o senhor é um fã do futebol e gosta de jogar bola. O senhor estará sentado no estádio em Nuremberg, em 11 de junho, quando a seleção nacional iraniana enfrentar o México na Alemanha?

Ahmadinejad: Depende. Naturalmente assistirei ao jogo de qualquer maneira. Ainda não sei se o farei em casa, em frente ao aparelho de televisão, ou em algum outro lugar. A minha decisão depende de várias coisas.

Der Spiegel: Por exemplo?

Ahmadinejad: Do tempo que eu tiver disponível, de como estará a situação referente a várias relações, de eu estar com vontade de ir ao estádio e de diversos outros fatores.

Der Spiegel: Houve grande indignação na Alemanha quando foi divulgado que o senhor poderia comparecer à Copa do Mundo de futebol. Isso o surpreende?

Ahmadinejad: Não, isso não é importante. Eu sequer entendo como tal fato aconteceu. Foi algo que não teve nenhum significado para mim. Não sei o porque de toda a agitação com relação a isso.



Der Spiegel: Tem a ver com as suas declarações a respeito do Holocausto. Era inevitável que a negação por parte do presidente iraniano do assassinato sistemático de judeus pelos alemães gerasse indignação.

Ahmadinejad: Não compreendo exatamente a conexão entre uma coisa e outra.

Der Spiegel: Primeiro o senhor dá as suas declarações sobre o Holocausto. Depois surgem as notícias de que poderá viajar à Alemanha - isso causa um ruído. Assim, no final das contas o senhor ficou surpreso?

Ahmadinejad: Não, nem um pouco, porque a rede do sionismo é muita ativa em todo o mundo, e na Europa também. Assim, não fiquei surpreso. Estávamos nos dirigindo ao povo alemão. Não temos nada a ver com os sionistas.

Der Spiegel: A negação do Holocausto é algo passível de punição na Alemanha. O senhor fica indiferente quando se confronta com tamanha indignação?

Ahmadinejad: Sei que "Der Spiegel" é uma revista respeitada. Mas não sei se vocês têm permissão para publicar a verdade sobre o Holocausto. Vocês podem escrever qualquer coisa sobre isso?

Der Spiegel: É claro que podemos escrever sobre as descobertas feitas no decorrer das pesquisas históricas dos últimos 60 anos. Segundo o nosso ponto de vista não há dúvida de que os alemães - infelizmente - são culpados pelo assassinato de seis milhões de judeus.

Ahmadinejad: Bem, sendo assim nós provocamos uma discussão bastante
concreta. Estamos apresentando duas perguntas bem claras. A primeira é: o holocausto realmente ocorreu? Você responde a esta pergunta na afirmativa. Assim, a segunda questão é: de quem foi a culpa por isso? A resposta para isso precisa ser encontrada na Europa, e não na Palestina. É perfeitamente claro. Se o Holocausto ocorreu na Europa, então é preciso que se encontre a pergunta também na Europa.
Por outro lado, se não houve Holocausto, por que então esse regime de
ocupação...

Der Spiegel: ...O senhor quer dizer o Estado de Israel...

Ahmadinejad: ...aconteceu? Por que os países europeus se comprometem a defender esse regime? Permita-me levantar uma questão a mais. Segundo a nossa opinião, se uma ocorrência histórica se coaduna com a verdade, tal verdade será revelada com a maior clareza se houver mais pesquisa e discussão a seu respeito.

Der Spiegel: Isso acontece há muito tempo na Alemanha.

Ahmadinejad: Não queremos confirmar ou negar o Holocausto. Nos opomos a todos os tipos de crime contra qualquer povo. Mas queremos saber se esse crime ocorreu de fato. Se ocorreu, então aqueles que são responsáveis por ele têm que ser punidos, e não os palestinos. Por que não é permitida a pesquisa sobre um fato ocorrido 60 anos atrás? Afinal, outras ocorrências históricas, algumas das quais se passaram vários milhares de anos atrás, estão abertas à pesquisa, e até os governos apóiam tal iniciativa.

Der Spiegel: Senhor presidente, com todo o respeito, o Holocausto ocorreu, houve campos de concentração, existem dossiês sobre o extermínio de judeus, foram feitas várias pesquisas, e não existe a menor dúvida nem quanto à existência do Holocausto nem quanto ao fato - e nós lamentamos isto enormemente - de que os alemães foram os responsáveis pelo ocorrido. Se pudermos agora acrescentar mais um ponto: o destino dos palestinos é uma questão inteiramente diferente, e isso nos remete ao presente.

Ahmadinejad: Não, não, as raízes do conflito palestino precisam ser buscadas na história. O Holocausto e a Palestina estão diretamente conectados um ao outro. E se o Holocausto realmente ocorreu, então vocês deveriam permitir que grupos imparciais de todo mundo pesquisassem o assunto. Por que vocês restringem a pesquisa a um certo grupo? É claro que não estou me referindo especificamente a vocês, mas sim aos governos europeus.

Der Spiegel: O senhor ainda está afirmando que o Holocausto é apenas "um mito"?

Ahmadinejad: Eu só aceitarei algo como verdadeiro caso ficar realmente convencido disso.

Der Spiegel: Mesmo que nenhum pesquisador ocidental tenha qualquer dúvida quanto à existência do Holocausto?

Ahmadinejad: Mas existem duas opiniões quanto a isso na Europa. Um grupo de estudiosos, ou de pessoas, a maioria politicamente motivada, diz que o Holocausto ocorreu. Mas existe um outro grupo de pesquisadores que representa a opinião oposta e que, por isso, foi em sua maioria encarcerado. Sendo assim, um grupo imparcial precisa se reunir para investigar e formular uma opinião sobre esta questão muito importante, já que o esclarecimento deste fato contribuirá para a solução de problemas globais. Sob o pretexto do Holocausto, ocorreu uma polarização muito forte no mundo, e formaram-se frentes antagônicas. Seria, portanto, muito bom se um grupo internacional e imparcial examinasse o assunto a fim de esclarecê-lo de uma vez por todas.
Normalmente, os governos promovem e apóiam o trabalho dos pesquisadores
sobre fatos históricos e não os colocam na prisão.

Der Spiegel: Quais seriam essas pessoas? A que pesquisadores o senhor se refere?

Ahmadinejad: Vocês devem saber disso melhor do que eu. Vocês possuem a lista. Tem gente da Inglaterra, da Alemanha, da França e da Austrália.

Der Spiegel: O senhor deve estar se referindo, por exemplo, ao inglês David Irving, ao teuto-canadense Ernst Zündel, que está sendo julgado em Mannheim, e ao francês Georges Theil, todos eles indivíduos que negam o Holocausto.

Ahmadinejad: O simples fato de os meus comentários terem causado tamanhos protestos, embora eu não seja europeu, e também o fato de eu ter sido comparado a certas pessoas que fazem parte da história da Alemanha, indica o quanto o clima para as pesquisas está carregado no seu país. Aqui no Irã você não precisa se preocupar com isso.

Der Spiegel: Bem, nós estamos mantendo este debate histórico com o senhor por um motivo bem atual. O senhor está questionando o direito à existência de Israel?

Ahmadinejad: Veja bem, as minhas posições são bem claras. Estamos dizendo que se o Holocausto ocorreu, então a Europa precisa arcar com as conseqüências, e que não são os palestinos que devem pagar o preço por isso. E se o fato não ocorreu, então os judeus precisam voltar ao lugar de onde vieram. Eu acredito que hoje o povo alemão também é prisioneiro do Holocausto. Na Segunda Guerra Mundial morreram 60 milhões de pessoas. A Segunda Guerra Mundial foi um crime gigantesco. Nós condenamos tudo isso. Somos contra o derramamento de sangue, não importando se o crime foi cometido contra um muçulmano, um cristão ou um judeu. Mas a questão é: por que, em meio a essas 60 milhões de vítimas, somente os judeus são o centro das atenções?

Der Spiegel: Mas este não é o caso. Todos os povos lamentam as vítimas da Segunda Guerra Mundial, alemães, russos, poloneses e outros também. Mas, nós, como alemães, não podemos nos esquivar de uma culpa especial. Aquela referente ao assassinato sistemático dos judeus. Mas talvez agora devêssemos passar a um outro assunto.

Ahmadinejad: Não, eu tenho uma pergunta para vocês. Que espécie de papel a juventude de hoje desempenhou na Segunda Guerra Mundial?

Der Spiegel: Nenhum.

Ahmadinejad: Então porque esses jovens deveriam nutrir sentimentos de culpa com relação aos sionistas? Por que as contas dos sionistas deveriam ser pagas com dinheiro dos bolsos dessa juventude? Se pessoas cometeram crimes no passado, então elas teriam que ser julgadas há 60 anos. Fim da história! Por que o povo alemão precisa ser humilhado hoje pelo fato de um grupo de pessoas ter cometido crimes em nome dos alemães no curso da história?

Der Spiegel: O povo alemão de hoje nada pode fazer a esse respeito. Mas existe uma espécie de vergonha coletiva por aqueles atos cometidos em nome dos alemães pelos nossos pais e avós.

Ahmadinejad: Por que tal fardo está colocado sobre o povo alemão? O povo alemão de hoje não tem culpa alguma. Por que não é permitido ao povo alemão o direito de defender a si próprio? Por que os crimes de um grupo são tão enfatizados, em vez de se ressaltar a grandeza da herança cultural alemã? Por que os alemães não devem ter o direito de expressar as suas opiniões livremente?

Der Spiegel: Senhor presidente, estamos bastante conscientes de que a história alemã não é feita apenas dos 12 anos do Terceiro Reich. Não
obstante, precisamos aceitar que crimes horríveis foram cometidos em nome dos alemães. Nós também confessamos isso, e um grande feito da história de pós-guerra dos alemães foi o fato de eles terem enfrentado criticamente o seu passado.

Ahmadinejad: Vocês estão preparados também para dizer isso ao povo alemão?

Der Spiegel: Ah, sim, nós fazemos isso.

Ahmadinejad: Então vocês também permitiriam que um grupo imparcial
perguntasse ao povo alemão se ele compartilha a sua opinião? Nenhum povo aceita a sua própria humilhação.

Der Spiegel: Todas as perguntas são permitidas no nosso país. Mas é claro que existem radicais de extrema-direita na Alemanha que são não apenas anti-semitas, mas também xenófobos, e nós de fato os consideramos uma ameaça.

Ahmadinejad: Deixe-me perguntar-lhe uma coisa: por quanto tempo mais isto pode continuar? Por mais quanto tempo você acha que o povo alemão terá que aceitar ser refém dos sionistas? Quando é que isto terminará - daqui a 20, 50, mil anos?

Der Spiegel: Só podemos falar por nós. "Der Spiegel" não é refém de ninguém; "Der Spiegel" não lida apenas com o passado da Alemanha e com os crimes alemães. Não somos aliados acríticos de Israel no conflito palestino. Mas queremos deixar algo bem claro: somos críticos, somos independentes, mas não ficaremos apenas à margem sem protestar quando o direito à existência do Estado de Israel, onde vivem tantos sobreviventes do Holocausto, está sendo questionado.

Ahmadinejad: Essa é precisamente a questão. Por que vocês deveriam sentir que devem obrigações aos sionistas? Se realmente houve um Holocausto, Israel deveria ficar na Europa, e não na Palestina.

Der Spiegel: O senhor deseja transferir todo um povo 60 anos após o término da guerra?

Ahmadinejad: Cinco milhões de palestinos não têm uma casa há 60 anos. Isto é realmente surpreendente. Vocês vêm pagando indenizações referentes ao Holocausto há 60 anos, e terão que continuar pagando por mais cem anos. Por que então o problema dos palestinos não é uma questão válida?

Der Spiegel: Os europeus apóiam os palestinos de diversas maneiras. Afinal, nós também temos uma responsabilidade histórica em ajudar a trazer finalmente paz para essa região. Mas o senhor não compartilha tal responsabilidade?

Ahmadinejad: Sim, mas a agressão, a ocupação e uma repetição do Holocausto não trarão a paz. O que desejamos é uma paz sustentável. Isso significa que temos que ir até à raiz do problema. Fico feliz em observar que vocês são pessoas honestas, e que admitem que são obrigados a apoiar os sionistas.

Der Spiegel: Não foi isso que dissemos, senhor presidente.

Ahmadinejad: Vocês disseram israelenses.

Der Spiegel: Senhor presidente, nós estamos falando sobre o Holocausto porque queremos discutir o possível armamento nuclear do Irã - o motivo pelo qual o Ocidente enxerga o senhor como uma ameaça.

Ahmadinejad: Certas pessoas no Ocidente gostam de chamar coisas ou pessoas de ameaças. É claro que vocês têm a liberdade para fazer seu próprio julgamento.

Der Spiegel: A questão fundamental é: o senhor quer armas nucleares para o seu país?

Ahmadinejad: Permitam que eu encoraje uma discussão sobre a seguinte questão: por quanto tempo vocês acham que o mundo pode ser governado pela retórica de um punhado de potências ocidentais? Quando quer que tenham algo contra alguém, elas começam a disseminar propagandas e mentiras, difamação e chantagem. Por quanto tempo isso pode persistir?

Der Spiegel: Estamos aqui para descobrir a verdade. O chefe de Estado de um país vizinho, por exemplo, declarou a "Der Spiegel": "Eles estão bastante ansiosos para fabricarem a bomba". Isso é verdade?

Ahmadinejad: Veja, nós conduzimos as nossas discussões com vocês e com os governos europeus em um nível mais elevado e inteiramente diferente. Segundo a nossa ótica, o sistema legal por meio do qual um punhado de países impõe a sua vontade sobre o restante do mundo é discriminatório e instável. No mundo, 139 países, incluindo o nosso, são membros da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, na sigla em inglês), em Viena. Tanto os estatutos da IAEA quanto o Tratado de Não Proliferação Nuclear, assim como todos os acordos de segurança, conferem aos países membros o direito de produzir combustível nuclear para fins pacíficos. Esse é o direito legal legítimo de qualquer povo. Além disso, no entanto, a IAEA foi também criada para promover o desarmamento daquelas potências que já possuíam armas nucleares. Mas veja o que está acontecendo hoje: o Irã manteve uma excelente cooperação com a IAEA. Tivemos mais de 2.000 inspeções nas nossas instalações, e os inspetores obtiveram de nós mais de mil páginas de documentação. As suas câmeras estão instaladas em nossas centrais nucleares. A IAEA enfatizou em todos os seus relatórios que não existem quaisquer indicações de irregularidades no Irã. Este é um lado da questão.

Der Spiegel: A IAEA não compartilha a sua visão sobre este assunto.

Ahmadinejad: Mas o outro lado da questão é que existem países que possuem tanto energia quanto armas nucleares. Eles usam armamentos atômicos para ameaçar outros povos. E são essas potências que afirmam estar preocupadas com a possibilidade de o Irã se desviar do caminho pacífico no uso da energia atômica. Nós respondemos que essas potências estão livres para nos monitorar caso estejam preocupadas. Mas o que elas dizem é que os iranianos não podem completar o ciclo do combustível nuclear porque, em tal caso, seria possível um desvio do uso pacífico. O que nós retrucamos é que esses próprios países há muito tempo se desviaram do uso pacífico do átomo. Essas potências não têm o direito de falar conosco dessa forma. Tal ordem é injusta e não sustentável.

Der Spiegel: Mas, senhor presidente, a questão principal é: este mundo não se tornará perigoso se mais países se transformarem em potências nucleares - se um país como o Irã, cujo presidente faz ameaças, fabricar a bomba em uma região repleta de crises?

Ahmadinejad: Somos fundamentalmente contrários à expansão dos arsenais de armas nucleares. É por isso que propusemos a formação de uma organização não tendenciosa e o desarmamento das potências nucleares. Não precisamos de arma alguma. Somos um povo civilizado e culto, e a nossa história demonstra que jamais atacamos um outro país.

Der Spiegel: O Irã não precisa da bomba que deseja fabricar?

Ahmadinejad: É interessante notar que as nações européias desejavam permitir que a ditadura do xá usasse a energia nuclear. Aquele era um regime muito perigoso. Mas tais nações estavam dispostas a fornecer-lhe tecnologia nuclear. Porém, desde que a República Islâmica passou a existir, essas potências vêm se opondo a tal uso. Enfatizo mais uma vez: nós não precisamos de nenhuma arma nuclear.

Cumprimos o que declaramos porque somos honestos e agimos legalmente. Não somos fraudadores. Só queremos fazer valer o nosso direito legítimo. Aliás, eu nunca ameacei ninguém - isso, também, é parte da máquina de propaganda que vocês colocaram em funcionamento contra mim.

Der Spiegel: Se este é o caso, o senhor não deveria estar se esforçando para garantir que ninguém precisasse temer que o seu país produzisse armas nucleares que poderiam ser usadas contra Israel, desencadeando, assim, possivelmente, uma guerra mundial? O senhor está sentado sobre uma caixa de explosivos, senhor presidente.

Ahmadinejad: Me permita dizer duas coisas. Ninguém na região está com medo de nós. E ninguém deveria instilar medo nestas pessoas. Acreditamos que se os Estados Unidos e esses dois ou três países europeus não interferirem, os povos desta região viverão juntos e em paz como o fazem há milhares de anos. Em 1980, foram as nações da Europa e os Estados Unidos que encorajaram Saddam Hussein a nos atacar.
A nossa posição a respeito da Palestina é clara. Nós dizemos: permitam que aqueles que são os donos do país expressem a sua opinião. Deixem os judeus, os cristãos e os muçulmanos dizer o que pensam. Os oponentes desta proposta preferem a guerra e ameaçam a região. Por que os Estados Unidos e essas duas ou três nações européias se opõem a isso? Eu acredito que aqueles que aprisionam os pesquisadores do Holocausto preferem a guerra à paz. A nossa posição é democrática e pacífica.

Der Spiegel: Os palestinos há muito tempo deram um passo além do senhor e reconhecem Israel como um fato, enquanto o senhor ainda deseja varrer aquele país do mapa. Os palestinos estão prontos a aceitar uma solução de dois Estados, enquanto o senhor nega o direito de Israel à existência.

Ahmadinejad: Vocês estão errados. Vocês viram o povo palestino eleger o Hamas em eleições livres. Nós argumentamos que nem vocês nem nós devemos nos propor a falar em nome do povo palestino. Os próprios palestinos devem dizer o que desejam. Na Europa é comum fazer um referendo para decidir qualquer assunto. Também devemos dar aos palestinos a oportunidade de expressarem a sua opinião.

Der Spiegel: Os palestinos têm o direito ao seu próprio Estado, mas segundo o nosso ponto de vista os israelenses têm naturalmente o mesmo direito.

Ahmadinejad: De onde vieram os israelenses?

Der Spiegel: Bem, se tentarmos raciocinar com base nos locais dos quais os povos vieram, os europeus teriam que retornar ao leste da África, de onde se originaram todos os humanos.

Ahmadinejad: Não estamos falando sobre os europeus, e sim sobre os
palestinos. Os palestinos estavam lá, na Palestina. Agora, cinco milhões deles se tornaram refugiados. Eles não têm um direito de viver?

Der Spiegel: Senhor presidente, não há um momento em que é necessário que se aceite o mundo da forma que ele é, e que se aceite o status quo? A guerra contra o Iraque colocou o Irã em uma posição favorável. Os Estados Unidos sofreram uma derrota de fato no Iraque. Não seria este o momento de o Irã se tornar uma potência construtora da paz no Oriente Médio? E isso não significaria abandonar os seus projetos nucleares e discursos inflamatórios?

Ahmadinejad: Me pergunto por que vocês estão adotando e defendendo
fanaticamente a posição dos políticos europeus. Vocês são uma revista, e não um governo. Dizer que deveríamos aceitar o mundo como ele é significaria que os vencedores da Segunda Guerra Mundial deveriam permanecer sendo potências vitoriosas por mais mil anos, e que o povo alemão seria humilhado por outros mil anos. Você acha que essa é uma lógica correta?

Der Spiegel: Não, essa não é uma lógica correta, e tampouco isso é verdade. Os alemães desempenharam um papel modesto, mas importante, nos
acontecimentos do pós-guerra. Eles não sentem que foram humilhados e
desonrados desde 1945. Somos muito autoconfiantes para isso. Mas hoje
queremos falar sobre a atual conjuntura do Irã.

Ahmadinejad: Então nós aceitaríamos que os palestinos fossem mortos todos os dias, que eles morressem em ataques terroristas, e que as suas casas fossem destruídas. Mas deixe-me dizer algo sobre o Iraque. Sempre fomos favoráveis à paz e à segurança na região. Durante oito anos, os países ocidentais forneceram armas a Saddam na guerra contra nós, incluindo armamentos químicos, e deram a ele apoio político. Éramos contrários a Saddam Hussein, e sofremos por causa dele, de forma que estamos felizes com o fato de ele ter sido derrubado. Mas não aceitamos que um país inteiro seja engolido sob o pretexto de que se queira derrubar Saddam. Mais de 100 mil iraquianos perderam a vida sob o regime das forças de ocupação. Felizmente os alemães não se envolveram nisso. Queremos segurança no Iraque.

Der Spiegel: Mas, senhor presidente, quem está engolindo o Iraque? Os Estados Unidos praticamente perderam essa guerra. Ao cooperar de forma construtiva, o Irã poderia ajudar os norte-americanos a avaliar a
possibilidade de uma retirada do Iraque.

Ahmadinejad: Isso é muito interessante. Os norte-americanos ocupam o país, matam gente, vendem o petróleo e, quando perdem, culpam os outros. Possuímos vínculos muito estreitos com o povo iraquiano. Muita gente dos dois lados da fronteira é aparentada. Vivemos lado a lado há milhares de anos. Os nossos locais sagrados de peregrinação estão no Iraque. Assim como o Irã, o Iraque já foi um centro de civilização.

Der Spiegel: O que o senhor está tentando dizer?

Ahmadinejad: Sempre dissemos que apoiamos o governo popularmente eleito do Iraque. Mas, segundo o meu ponto de vista, os norte-americanos estão fazendo um mau trabalho. Eles nos enviaram mensagens diversas vezes pedindo a nossa ajuda e cooperação. Disseram que deveríamos conversar juntos sobre o Iraque. Nós aceitamos publicamente essa oferta, embora o nosso povo não confie nos norte-americanos. Mas os norte-americanos responderam negativamente e nos insultaram. Neste momento estamos contribuindo para a segurança no Iraque. Só manteremos conversações se os norte-americanos modificarem o seu comportamento.

Der Spiegel: O senhor gosta de provocar de vez em quando os norte-americanos e o resto do mundo?

Ahmadinejad: Não, eu não estou insultando ninguém. A carta que escrevi ao senhor Bush foi educada.

Der Spiegel: Não queremos dizer insulto, mas provocação.

Ahmadinejad: Não, não temos animosidade contra ninguém. Estamos preocupados com os soldados norte-americanos que morreram no Iraque. Por que eles precisam morrer lá? Essa guerra não faz sentido. Por que existe guerra quando também existe a razão?

Der Spiegel: A sua carta ao presidente Bush é também um sinal aos
norte-americanos de que o senhor deseja manter negociações diretas?

Ahmadinejad: Nós deixamos bem claro naquela carta a nossa posição sobre como vemos os problemas no mundo. Algumas potências poluíram a atmosfera política global porque elas acham que as mentiras e as fraudes são legítimas. Na nossa opinião, isso é muito ruim. Acreditamos que todos os povos merecem respeito. Os relacionamentos precisam ser regulamentados com base na justiça. Quando a justiça reina, a paz também reina. As condições injustas não são sustentáveis, ainda que Ahmadinejad não as critique.

Der Spiegel: Essa carta ao presidente norte-americano inclui um trecho sobre o 11 de setembro de 2001: "Como tal operação poderia ser planejada e implementada sem a coordenação com serviços secretos ou de segurança, ou sem a infiltração profunda feita por esses serviços?". As suas declarações sempre incluem muitas insinuações. Qual o significado dessa passagem? A CIA ajudou Mohammed Atta e ou outros 18 terroristas a realizar os ataques?

Ahmadinejad: Não, não foi isso o que eu quis dizer. Nós achamos que eles deveriam apenas apontar quem deve ser responsabilizado. Eles não deveriam usar o 11 de setembro como uma desculpa para lançar um ataque militar contra o Oriente Médio. Eles deveriam levar os responsáveis pelos ataques a julgamento. Não nos opomos a isso. Nós condenamos os ataques. Condenamos qualquer ataque contra pessoas inocentes.

Der Spiegel: Na carta o senhor também afirma que o liberalismo ocidental fracassou. O que o faz afirmar tal coisa?

Ahmadinejad: Veja, por exemplo, que vocês têm mil definições para o problema palestino, e oferecem todos os tipos de definições diferentes de democracia nas suas várias formas. Não faz sentido que um fenômeno dependa da opinião de vários indivíduos que têm a liberdade para interpretar o fenômeno como bem desejam. Não dá para resolver os problemas do mundo dessa forma. Precisamos de uma abordagem nova. É claro que desejamos que a vontade livre do povo prevaleça, mas precisamos de princípios sustentáveis que contem com aceitação universal - tal como a justiça. O Irã e o Ocidente concordam
quanto a isso.

Der Spiegel: Que papel a Europa pode desempenhar na resolução do conflito nuclear, e o que o senhor espera da Alemanha?

Ahmadinejad: Sempre cultivamos boas relações com a Europa, e especialmente com a Alemanha. Os nossos povos gostam um do outro. Estamos ansiosos por aprofundar esse relacionamento.

A Europa cometeu três erros com relação ao nosso povo. O primeiro foi apoiar o governo do xá. Isso deixou o nosso povo desapontado e descontente. No entanto, ao oferecer asilo ao imã Khomeini, a França conquistou uma posição especial, que mais tarde voltou a perder. O segundo erro foi apoiar Saddam na guerra movida por ele contra nós. A verdade é que o nosso povo esperava que a Europa estivesse do nosso lado, e não contra nós. O terceiro erro foi a posição da Europa com relação à questão nuclear. A Europa será a grande perdedora e não alcançará nada. Não queremos ver tal coisa acontecendo.

Der Spiegel: O que acontecerá agora no conflito entre o Ocidente e o Irã?

Ahmadinejad: Nós entendemos a lógica norte-americana. Eles sofreram danos com a vitória da Revolução Islâmica. Mas não compreendemos por que alguns países europeus se opõem a nós. Eu enviei uma mensagem a respeito da questão nuclear, perguntando por que os europeus estavam traduzindo as palavras norte-americanas para nós. Afinal, eles sabem que as nossas ações têm a paz como objetivo. Ao se aliarem com o Irã, os europeus atenderiam aos interesses deles e aos nossos. Mas eles sofrerão somente danos caso se oponham a nós. Isso porque o nosso povo é forte e determinado.

Os europeus se arriscam a perder inteiramente a sua posição no Oriente
Médio, e estão arruinando a sua reputação em outras partes do mundo. Os
outros acharão que os europeus são incapazes de resolver problemas.

Der Spiegel: Senhor presidente, nós lhe agradecemos por esta entrevista.
"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma." (Joseph Pulitzer).

Trancado