Greene, The Great

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Acauan
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Greene, The Great

Mensagem por Acauan »

Greene, The Great
Postado originalmente em 4/8/2005 20:23:29

Por Acauan

Não é fácil para quem não é religioso conhecer o complexo que envolve os sentimentos próprios dos que o são.
Para quem tem algum interesse, há pelo menos três caminhos para se aprofundar um pouco no tema: se convertendo (caso a curiosidade seja realmente muito grande), vendo, ouvindo e aprendendo ou lendo Graham Greene.

Greene é o máximo.

Certamente meu autor contemporâneo preferido.

Nascido na Inglaterra, em uma família protestante, Henry Graham Greene converteu-se na juventude ao catolicismo após uma adolescência problemática. Estudou em Oxford onde descobriu a metafísica que tece a realidade onde suas histórias se passam.

Discussões sobre religião costumam se dar no âmbito filosófico, teológico ou doutrinário, que abrangem questões intelectuais sobre preceitos e premissas de cada fé.
Quando as discussões se dão entre religiosos e céticos, têm-se normalmente um debate retórico, que vez por outro resvala o dialético quando os debatedores são competentes.
Nenhum debate intelectual pode esclarecer o interlocutor não crente sobre os sentimentos mais sutis que influenciam a crença religiosa, se o descrente em questão nunca pertenceu ao outro lado.

Para além deste tipo de debate, Greene funciona como uma espécie de Virgílio ao contrário. Assim como o poeta romano guiou Dante pelo seu mundo pagão, representado na Divina Comédia pelo limbo do inferno, o escritor inglês nos coloca dentro do universo moral cristão através dos conflitos íntimos e dúvidas que atormentam seus protagonistas, sempre envolvidos na busca por algum tipo de fé, embora o objetivo da busca seja óbvio para o leitor, não para o personagem.

Não torçam o nariz aqueles que desconhecem seus livros e montaram precipitadamente a idéia de que possam ser romances enfadonhos, com narrativas arrastadas cheias de moralismo religioso.

O leitor menos atento de O Fator Humano, por exemplo, no mínimo encontrará uma excitante história de espionagem, tão boa ou melhor que os clássicos de John Le Carré.
Conhecimento para tal não faltava a Carré ou a Greene, já que ambos trabalharam para o mítico MI6, o mesmo serviço de inteligência britânico que Ian Fleming – também veterano da inteligência naval – escolheu para dar a James Bond os dois zeros que traduzem a permissão para matar do personagem.

Ninguém, portanto, pode achar de autor tão bem entrosado em grupo com tais currículos que seus livros sejam chatices carolas.

Mas O Fator Humano é muito mais que uma história de espionagem, que na verdade é apenas o pano de fundo para a apresentação de um conflito de consciência entre a lealdade e a moralidade.
O protagonista, agente inglês que toma conhecimento de uma operação secreta de seu governo envolvendo uma abominável – mas nunca explicitada – negociação com o regime de Apartheid da África do Sul, se divide entre dois conceitos de certo e errado.
O brilhantismo está na quebra do maniqueísmo, uma situação onde as opções eram trair seu país ou colaborar com uma conspiração sinistra.
Qualquer que fosse a escolha, a paz de espírito do personagem estaria perdida para sempre. Sem chance de redenção dentro de seu próprio mundo.

Para amplificar a angustia sentida pelo agente, Greene ressalta o fardo do silêncio imposto sobre ele. Obrigado a tratar a operação como secreta, o protagonista é privado do alívio de discutir com outros seu dilema.
Num momento desesperado, procura uma igreja católica – mesmo sendo um descrente – esperando apenas que o padre o ouça e guarde segredo, como mandam as regras do confessionário romano. Seu diálogo dura apenas o tempo suficiente para o sacerdote descobrir que o estranho não seguia nenhuma religião, após o que praticamente o expulsa.

As leituras possíveis para aquela cena notável são muitas e claras. Todas ótimas.

O conflito não maniqueísta é tema central de outros livros, como O Coração da Matéria e Fim de Caso, mas aparece mesmo naqueles com tom de comédia, como O Cônsul Honorário e Nosso Homem em Havana.

A obra sempre lembrada como a visão de Greene sobre a relação entre conflitos interiores e religiosidade é O Poder e a Glória, do qual comprei um exemplar de edição antiga em um sebo há muitos anos e até hoje não tive coragem de tirar o filme plástico protetor.

Mas o meu preferido dentro do assunto em pauta aqui é Monsenhor Quixote, uma pequena obra-prima com que Graham nos brindou na fase final de sua carreira e de sua vida.
Na história, a dupla Dom Quixote de La Mancha e Sancho Pança, de Cervantes, é recriada no singelo mundo de Monsenhor Quixote.
Tal qual o Cavaleiro da Triste Figura, que só em uma fantasia de cavaleiro andante de tempos passados conseguia exercitar as virtudes que sua época abandonava, o clérigo milita numa igreja que existe apenas na pureza de seu coração, que não enxerga as políticas que regem a instituição a qual serve. Seu companheiro, o prefeito comunista da cidade, tal como o escudeiro Sancho, é seu contraponto com a realidade. Da interação dos dois, Greene pinta uma bela paisagem sobre a natureza humana.

Greene is really The Great.
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Re.: Greene, The Great

Mensagem por Pug »

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Acauan
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Re: Re.: Greene, The Great

Mensagem por Acauan »

Pug escreveu:up


Uma reflexão particularmente interessante de Greene sobre religião é feita através de um de seus personagens, que pensando sobre a necessidade que os homens sentem de compreensão conclui que esta necessidade se choca com a impossibilidade de um homem realmente compreender a outro.
Por isto os homens criaram Deus, um ser capaz de compreender.

Claro que esta não é a opinião de Greene, um fiel católico convertido, mas é uma interessante projeção para além de sua própria fé.

Greene declarou certa vez que diferenciava completamente sua Fé daquilo no qual acreditava. Mesmo que acreditasse cada vez menos em tudo, sua Fé permanecia inalterada.


Outra abordagem interessante.
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Pug
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Re: Re.: Greene, The Great

Mensagem por Pug »

Acauan escreveu:
Pug escreveu:up


Uma reflexão particularmente interessante de Greene sobre religião é feita através de um de seus personagens, que pensando sobre a necessidade que os homens sentem de compreensão conclui que esta necessidade se choca com a impossibilidade de um homem realmente compreender a outro.
Por isto os homens criaram Deus, um ser capaz de compreender.



Observação interessante.

Acauan escreveu:Claro que esta não é a opinião de Greene, um fiel católico convertido, mas é uma interessante projeção para além de sua própria fé.

Greene declarou certa vez que diferenciava completamente sua Fé daquilo no qual acreditava. Mesmo que acreditasse cada vez menos em tudo, sua Fé permanecia inalterada.



Outra abordagem interessante.



Talvez evitasse enlouquecer.
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Tortoise
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Re.: Greene, The Great

Mensagem por Tortoise »

Outro teólogo interessante é Keith Ward de Oxford. Para ele a Evolução Darwinista foi a grande oportunidade oferecida por Darwin para renovar a sua fé.

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Acauan
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Re: Greene, The Great

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Reload.
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