"O Globo" 25.10.2006
Calote da dívida argentina provocou prejuízo de US$ 137 bi ao mercado
Credores pressionam EUA por cobrança de sanções e confisco de bens
José Meirelles Passos
Um minucioso estudo divulgado ontem sobre o calote do governo da Argentina e a
posterior polêmica reestruturação de sua dívida de US$ 144,5 bilhões — em que a
maior parte (75%) dos credores acabou aceitando bônus valendo o equivalente a
apenas 27 centavos por cada dólar que haviam investido no país — mostrou que a
atitude do presidente Néstor Kirchner causou um prejuízo total de US$ 137 bilhões
ao mercado financeiro internacional.
Além da suspensão dos pagamentos e da reestruturação ter custado US$ 74 bilhões
a quem emprestou dinheiro à Argentina, houve um custo indireto de US$ 63 bilhões
referentes a contribuintes em geral e portadores de ações de empresas que tinham
aplicado no país. Um dos motivos do prejuízo é que o episódio provocou uma
incisiva e prolongada desvalorização do peso argentino, e isso deprimiu o valor
das ações das corporações internacionais (na maioria americanas) que tinham US$
39 bilhões investidos na Argentina.
Os cálculos, realizados pela primeira vez, foram apresentados em Washington por
Robert J. Shapiro, presidente da consultora financeira Sonecon LLC, e Nam D.
Pham, presidente da consultora NDP Group, numa conferência sobre dívida soberana
promovida pela revista “LatinFinance”.
A apresentação serviu como o pontapé inicial de uma campanha de pressão sobre o
governo dos Estados Unidos, movida por 25% dos credores da Argentina que não
aceitaram a proposta de renegociação feita pelo presidente Kirchner, e também
pelos 75% que concordaram com ela.
Para credores, Argentina não deve ficar impune O grupo menor quer punir a
Argentina com sanções e, inclusive, confisco de bens.
Aqueles credores pedem ao governo dos EUA para suspender os benefícios que a
Argentina recebe sob o Sistema Geral de Preferências (que isenta de taxas e
impostos vários produtos importados daquele país), até que Kirchner decida fazer
uma melhor oferta para renegociar o débito.
Outra medida solicitada por eles é a proibição da Argentina em levantar dinheiro
por meio de vendas de bônus nos EUA: — Não devemos permitir que o nosso mercado
seja utilizado por países caloteiros.
É preciso fortalecer a disciplina, e que o governo dos EUA fique ao lado dos
credores e não dos caloteiros — reclamou Hal Scott, consultor financeiro e
professor de Direito na Universidade de Harvard, um dos oradores da palestra.
Por sua vez, Shapiro, ex-secretário de Comércio dos EUA, e que hoje representa
vários credores dos países emergentes, inclusive da Argentina, disse que o
governo Kirchner não pode permanecer impune: — A Argentina violou regras do
mercado e deve pagar pelas conseqüências negativas que isso provocou. É sempre
uma tentação política dar um calote, transferir o problema para os contribuintes
e investidores estrangeiros.
É um direito que um país tem. Mas ele também tem responsabilidades; tem de pagar
um preço por essa atitude — afirmou o ex-secretário Robert J. Shapiro.
Os credores minoritários solicitam ainda que os Estados Unidos bloqueiem o
acesso da Argentina a empréstimos “nos canais normais” e que condicione
quaisquer futuros empréstimos do Banco Mundial (Bird) e do Fundo Monetário
Internacional (FMI) ao país a um acordo de seu governo em melhorar a oferta (que
foi aceita por 75% dos credores).
Como se isso não bastasse, eles demandam ainda o confisco de mercadorias ou
dinheiro que transitem nos Estados Unidos e que envolvam o governo argentino.
Mais: querem o confisco de bens que empresas estatais argentinas possuam nos
Estados Unidos.
— A Casa Branca poderia ter pressionado a Argentina na época do calote, mas
acabou dando força a Kirchner, ficando contra os credores. E o que aconteceu? A
Argentina acabou se bandeando para o lado de Hugo Chávez. — ironizou Scott.
Precedente argentino encarecerá financiamentos Quanto ao grupo que se conformou
com a oferta da Argentina, a pressão é para que o governo americano use a sua
influência para garantir que futuros empréstimos do FMI para governos que tenham
declarado moratória fiquem disponíveis para o pagamento de seus credores.
Eles querem, ainda, que os Estados Unidos pressionem por uma reforma do Banco
Internacional de Compensações (BIS, o banco central dos bancos centrais) de
forma a evitar que outros caloteiros façam como a Argentina: transferir para lá
as reservas que mantêm depositadas em bancos dos Estados Unidos e que, desta
forma, ficam impossibilitadas de serem confiscadas.
— A Argentina é um enorme mau precedente. Os Estados Unidos têm responsabilidade
em fazer com que o exemplo argentino não seja seguido por outros. Estamos já
notando movimentos no Equador, por exemplo, para ir nessa direção. Isso não pode
se repetir. É preciso proteger os investidores — afirmou Shapiro.
De acordo com o autor do estudo, se prevalecer o precedente aberto pelo governo
argentino com o calote, o volume de empréstimos aos países em desenvolvimento
será menor e o seu custo bem maior.
— Se os investidores virem que correm o risco de vir a receber de volta apenas
30% do que emprestaram, tomarão medidas como o encarecimento dos empréstimos e
isso acabará atrasando ainda mais o desenvolvimento dos países emergentes —
afirmou Robert J. Shapiro.
Calote argentino da dívida está sendo cobrado
- Fernando Silva
- Administrador
- Mensagens: 20080
- Registrado em: 25 Out 2005, 11:21
- Gênero: Masculino
- Localização: Rio de Janeiro, RJ
- Contato: