Relembrando um trecho da discussão da página 20 do tópico:
Acauan escreveu:Em nenhum momento coloquei a responsabilidade acima da vida humana. Apenas evidenciei que em casos de estupro a responsabilidade pela vida do feto é indefinida do ponto de vista legal. O ato que gerou o filho não partiu da vontade da mãe, a lei não a obriga a assumir a responsabilidade e o único responsável, o estuprador, pode no máximo ser punido, sem que a atribuição da responsabilidade a ele resolva o impasse.
Usando uma analogia legalmente aplicável, se eu sei que em algum lugar existe uma criança morrendo de fome e eu tenho dinheiro e comida para alimentá-la, posso salvá-la se eu quiser. No entanto, não posso ser acusado pela morte da criança caso não o faça, pois não tenho responsabilidade sobre ela.
Huxley escreveu:
Essa analogia é totalmente inadequada.Uma analogia melhor é esta: Se uma pessoa vai passando numa estrada e vê uma pessoa atropelada no chão e não faz nada, ela não pode ser responder por omissão de socorro?Claro, e o mesmo poderia se dizer de uma criança que está a beira da morte num deserto por causa da fome e alguém não-parente com comida que está próximo não faz nada.
Agora vamos aos argumentos do último post direcionado a mim (que também encontra-se na página 20).
Acauan escreveu:Diferentes grupos pró-aborto decretam arbitrariamente a partir de quando o feto tem direito à vida e a partir desta escolha arbitrária identificam os dados científicos que apóiam sua posição.
Dizer que o feto tem direito à vida a partir do desenvolvimento da consciência e depois provar que o aborto pode ser feito até determinado tempo de gestação, quando esta consciência não estaria desenvolvida é um raciocínio circular, uma vez que não justifica porque este critério de definição do direito é melhor do que qualquer outro.
A justificativa do critério que referi já foi dado e é muito simples.Devemos procurar o que diferencia um ser senciente de um ser não-senciente.O critério da consciência põe um ponto final nesta questão.Porque será que a maioria das pessoas acha que matar um animal é crime, enquanto é praticamente aceito que não é imoral abortar um bebê anencéfalo ou arrancar um pé de capim? A resposta é óbvia.
Claro, no caso do bebê anencéfalo irá se dizer. “O bebê não é uma vida humana em potencial.Ele morrerá poucos segundos depois do parto.”
A premissa neste caso é: O feto é, em potência, um ser humano; Premissa b: Todos os seres humanos, mesmo os seres humanos em potência, têm direito à vida; Conclusão: O feto tem.direito à vida.
Essa questão foi rebatida de forma brilhante pelo filósofo português Pedro Madeira:
"(...) é, de qualquer modo, falso que, se um ser tem potencialmente um direito, então tem, efectivamente, esse direito. Enquanto cidadão português, sou potencialmente presidente da República; o presidente da República é o Comandante Supremo das Forças Armadas; no entanto, daí não se segue que eu seja agora o Comandante Supremo das Forças Armadas. Poderá ser objectado que estou simplesmente a fugir à questão: a analogia não funciona — o feto tem o direito à vida desde a concepção, mas eu só adquirirei o estatuto de Comandante Supremo das Forças Armadas caso venha a ser eleito Presidente da República. O problema com esta objecção é que foge, ela própria, à questão! Se estivéssemos desde logo a partir do princípio de que o feto tem o direito à vida desde a concepção, então para que é que precisaríamos de invocar o estatuto de potencialidade do feto?”
Em "Argumentos sobre o aborto":
http://criticanarede.com/aborto1.htmlAcauan escreveu:
Esta segunda analogia não tem absolutamente nada a ver com a que propus originalmente e menos ainda com o assunto em discussão.
Me referi hipoteticamente a qualquer criança miserável próxima, como sabemos que existem às centenas ou milhares nas favelas urbanas brasileiras. Mesmo que eu saiba de uma criança com fome em um destes lugares, nenhuma lei me obriga a socorrê-la, pois nenhuma lei me responsabiliza por conseqüências crônicas da miséria.
Omissão de socorro é um preceito legal que se aplica exclusivamente a emergências pontuais – como a citada criança no deserto. Ninguém pode ser acusado de omissão de socorro porque não enviou cestas básicas para cada faminto próximo que ficou sabendo da condição, mas perante o qual não possui qualquer obrigação estipulada em lei.
O que, obviamente, não o impede de proceder esta justa, por motivos exclusivamente humanitários.
Entendido isto, voltemos à analogia original.
Uma mãe que gera um filho por um ato voluntário é legalmente responsável por este filho gerado, desde a concepção, mesmo que não fosse intenção da mãe engravidar em decorrência daquele ato.
Neste caso, se a mãe interrompe a gravidez comete crime.
Uma mulher vítima de estupro que engravida em decorrência de um ato violento contrário à sua vontade é por lei isenta de responsabilidade com relação a este filho.
Como no meu exemplo, ela pode (e na opinião de muitos, deve) salvar esta criança lhe concedendo a continuação da gravidez, mesmo que a lei não a obrigue a isto.
Ou pode, fazendo valer a isenção de responsabilidade que a lei lhe concedeu, negar-se a conceder ao feto a permanência em seu útero, situação na qual a criança morrerá tal como ocorre com a hipotética faminta, mas neste caso não há a caracterização de crime.
A “analogia original” é inválida porque ela não faz distinção entre potencialidade no sentido forte e potencialidade no sentido fraco.Os dois casos que mostrei, é uma omissão, num sentido forte, de se evitar uma morte.Ambos indivíduos nas duas analogias, são pessoas potencialmente mortas, num sentido forte.Por isso ambas analogias que citei são válidas.Veja a primeira. Se nós vamos passando na estrada e vemos uma pessoa atropelada no chão, temos o dever de a ir ajudar.Não importa se a culpa do atropelamento não foi nossa.Se a pessoa que presenciou o atropelamento tem um telefone a disposição e nada faz (sequer liga para o telefone da ambulância), então isso caracteriza uma omissão de socorro. Logo, o simples fato de a mulher não ter gerado o feto voluntariamente em caso de estupro, não chega para justificar a permissibilidade do aborto em caso de estupro, pelo menos para quem defende que o aborto é um crime.O caso da não-assistência a uma criança faminta é uma omissão, num sentido fraco, de se evitar uma morte.O simples fato que uma criança esteja faminta não implica que ela irá morrer ou que envio de uma cesta básica salvará sua vida de forma semelhante a prestação de socorro de uma pessoa que está agonizando numa beira de estrada devido a uma forte hemorragia provocada pelo ferimento de um atropelamento.
A situação da mulher que aborta é pior.Poderia argumentar-se até que a mãe não apenas omite a salvação da criança.Poderia-se dizer até que ela é a responsável direta pela morte do feto, já que ela poderia evitar esse “homicídio” apenas se alimentando bem e tomando alguns cuidados com sua própria saúde, além de executar a nada difícil tarefa de não pisar numa clínica de aborto.
“A boa sociedade é aquela em que o número de oportunidades de qualquer pessoa aleatoriamente escolhida tenha probabilidade de ser a maior possível”
Friedrich Hayek. “Direito, legislação e liberdade” (volume II, p.156, 1985, Editora Visão)
"Os homens práticos, que se julgam tão independentes em seu pensar, são todos na verdade escravos das idéias de algum economista morto."
John Maynard Keynes